O texto do Código Florestal aprovado esta semana não ajudará a prevenir tragédias como a do Rio e a do Nordeste

O texto da reforma do Código Florestal brasileiro foi aprovado na última terça-feira pela comissão especial da Câmara. Apesar de alguns recuos apresentados pelo relator, deputado Aldo Rebelo, como a retirada de poder dos Estados para a redução das áreas de preservação permanente (APP), a proposta continua não resolvendo os problemas que precisa enfrentar.

Outra mudança foi a redução para 15m – e não 7,5m como estava previsto – das faixas de mata ciliar ao longo dos rios de menos de 5m de largura. O texto atual do código define esta área em 30m.

Nas áreas urbanas, as tragédias que vimos em abril deste ano no Rio de Janeiro e, agora, em Pernambuco e Alagoas, continuarão acontecendo se as matas das APP não forem pensadas de forma a preservar a qualidade e volume dos mananciais e assim prevenir inundações e enchentes e evitar riscos para a vida das pessoas. Além disso, como eu já falei aqui, as APP precisam ser pensadas em suas diversas funções e contextos – tanto rurais quanto urbanos.

O texto só irá para votação no plenário da Câmara após as eleições. Mas a tensão que marcou a votação na comissão, com protestos de organizações ambientalistas e também de setores ruralistas, mostra que este debate ainda não está maduro o suficiente.

Segue abaixo um belo artigo da Maria Rita Kehl sobre este assunto, publicado no Estadão.

Tristes trópicos

‘E os buritis – mar, mar.’ João Guimarães Rosa

26 de junho de 2010

O deputado Aldo Rabelo é um patriota. Anos atrás, criou um projeto de lei contra o uso público de palavras estrangeiras no País. Não me lembro se a lei não foi aprovada ou não pegou. Somos surpreendidos agora por nova investida patriótica do representante do PC do B: substituir o verde-folha do nosso pendão por um tom mais chique, o verde-dólar. Nada contra a evolução cromática do símbolo pátrio. Mas não se esperava tamanho revisionismo da parte de um velho comunista: o projeto de revisão do código florestal proposto por Rabelo é escandaloso.

Ou não: se o PC do B ainda tem alguma coisa a ver com a China, nada mais compreensível do que a tentativa de submeter o Brasil à mesma voracidade do país que hoje alia o pior de uma ditadura comunista com o pior do capitalismo predatório: devastação da natureza, salários miseráveis, repressão política.

E nós com isso? Nós, que não somos chineses – por que haveremos de nos sujeitar aos ditames da concentração de renda no campo que querem nos impingir como se fossem a condição inexorável do desenvolvimento econômico? Não sou economista, mas aprendo alguma coisa com gente do ramo. Sigo o argumento de uma autoridade quase incontestável no Brasil, o ex-ministro do governo FHC e hoje social democrata assumido, Luis Carlos Bresser Pereira. A concentração de terras e a produtividade do agronegócio, boas para enriquecer algumas poucas famílias, não são necessárias para o aumento da riqueza ou para sua distribuição no campo. Nem para alimentar os brasileiros. A agricultura familiar – pasmem: emprega mais, paga melhor e produz mais alimentos para o consumo interno do que o agronegócio. Verdade que não rende dólares, nem aos donos do negócio nem aos lobistas do Congresso. Mas alimenta a sociedade.

Vale então perguntar quantos brasileiros precisam perder seus empregos no campo, ser expulsos de seus sítios para viver em regiões já desertificadas e improdutivas, quantas gerações de filhos de ex-agricultores precisam crescer nas favelas, perto do crime, para produzir um novo rico que viaja de jatinho e manda a família anualmente pra Miami? Quanto nos custa o novo agromilionário sem visão do País, sem consciência social, sem outra concepção da política senão alimentar lobbies no Congresso e tentar extinguir a luta dos sem-terra pela reforma agrária?

Meu bisavô Belisário Pena foi um patriota de verdade. Um médico sanitarista que viajou em lombo de burro pelo interior do País para pesquisar e erradicar as principais doenças endêmicas do Brasil no início do século 20. O relato da expedição empreendida por ele e Arthur Neiva pelo norte da Bahia, Pernambuco, sul do Piauí e Goiás, em 1912, virou um livro que eu ganhei do professor Antonio Candido. A pesquisa começa pela descrição do clima, ou seja, da seca, e segue a descrever a “diminuição das águas” no interior. Reproduzo a grafia da época: “Não há duvida de que a água diminue sempre no Brazil Central; o morador das marjens dos grandes rios não percebe o fenômeno, mas o depoimento dos habitantes das proximidades dos pequenos cursos e de coleções d”agua pouco volumosas é unânime em confirmar este fato. De Petrolina até a vila de Paranaguá, não se encontra um único curso perene. O Piauhy, encontramo-lo cortado (com o curso interrompido); o Curimatá, completamente sêco; para citar os maiores (…) Acresce que, em toda a zona, o homem procura apressar por todos os meios a formação do deserto, pela destruição criminosa e estúpida da vejetação”.

Os professores Jean Paul Metzger e Thomas Lewinsohn, no Aliás de domingo passado, acusam a falta de embasamento científico do projeto de Aldo Rabelo. Mas mesmo sem o aval de cientistas sérios, já é de conhecimento geral o que meu bisavô constatou em 1912: a evidente relação entre o desmatamento, a diminuição das águas e a desertificação do interior do País.

O novo código de “reflorestamento” propõe reduzir de 30 para 7,5 metros a extensão obrigatória das matas ciliares nas propriedades rurais. Uma faixa vegetal mais estreita do que uma rua estreita não dá conta de impedir o assoreamento dos rios que ainda não secaram, nem barrar a devastação pelas cheias como a que hoje vitima tantos moradores da Zona da Mata. Quem nunca observou, sobrevoando o Brasil central, que os rios que não têm mais vegetação nas margens estão secos? Outra piada é isentar as pequenas propriedades da reserva florestal obrigatória. Se até o gênio do mal que mora em mim já teve essa ideia, imaginem se ninguém mais pensou em dividir grandes fazendas em pequenos lotes “laranjas” para se valer do benefício?

Por desinformação ou má-fé, os defensores do desmatamento alardeiam que essa é uma disputa entre desenvolvimentistas e amantes do “verde”. Mentira. O objeto da disputa é o tempo. O projeto de Rabelo defende os que querem agarrar tudo o que puderem, já. No futuro, ora: seus netos irão estudar e viver no exterior. Do outro lado, os que se preocupam com as gerações que vão continuar vivendo no Brasil quando todo o interior do País for igual às regiões mais secas do Nordeste atual – algumas das quais já foram ricas, verdes e férteis, antes de ser desmatadas pela agricultura predatória. Que pelo menos contava, no início do século 20, com o beneplácito da ignorância.

6 comentários sobre “O texto do Código Florestal aprovado esta semana não ajudará a prevenir tragédias como a do Rio e a do Nordeste

  1. Olá Raquel.

    O que mais me indigna nisso tudo é me deparar com movimentos que defendem o meio ambiente sendo patrocinados por empresas “amigas da natureza” que estão exigindo tais alterações no Código.

    Tuca.

  2. Nos últimos 100 anos a inteligência de alguns avançou, desenvolvendo tecnologias importantes e necessárias, na mesma proporção que a burrice de outros destruiu grande parte do planeta. Burrice esta que os cega a visão de este é o único planeta conhecido em todo o universo, capaz de abrigar a vida humana.

  3. Pingback: Global Voices in English » Brazil: New Forestry Code = The Right to Deforestation?

  4. Pingback: Global Voices in Italiano » Brasile: il nuovo Codice Forestale legittima la deforestazione?

  5. ATENÇÃO!
    O MOVIMENTO TRÂNSITO MAIS HUMANO REALIZARÁ UMA MISSA NA IGREJA DA CANDELÁRIA EM MEMÓRIA DAS VÍTIMAS (CIVIS) DE EXPLOSÕES DE BOMBAS E GRANADAS DO CAMPO DE INSTRUÇÃO DE GERICINÓ, QUE PERTENCE AO EXÉRCITO, , E TAMBÉM PELA MORTE POR POLUIÇÃO DA NASCENTE DO RIO PAVUNA LOCALIZADA DENTRO DO CAMPO GERICINÓ, NO DIA 24 DE SETEMBRO(SEXTA-FEIRA), ÀS 10:30H.
    CONVIDAMOS A TODOS PARA PARTICIPAREM.
    7628-1054
    NOVAS INFORMAÇÕES NO BLOG:
    TRANSITOMAISHUMANO.BLOGSPOT.COM

  6. Pingback: What to watch in Brazil, whoever wins « Serpents and Doves: A development policy blog

Deixe um comentário